PERSEU
Desde o seu nascimento, Perseu foi exposto a
perigos. O avô dele, o rei Acrísio, tentou impedir sua existência porque um
oráculo lhe anunciara que seria morto pelo filho da filha. E olhem que o rei
fez tudo o que pôde para evitar o nascimento dessa criança maldita!
Mandou construir um quarto de bronze numa alta torre
do palácio de Argos e lá encerrou a filha Dânae. Somente sua velha babá podia
vê-la para lhe levar comida. As paredes e as portas eram intransponíveis para
os homens, mas, para Zeus, aquilo era brincadeira. Ele entrou no quarto por uma
fresta do telhado, sob a forma de uma chuva de ouro. A moça o recebeu e lhe
ofereceu seu amor.
Dessa união clandestina nasceu um menino.
Conseguiram esconder ao rei a existência de Perseu por algum tempo... mas, um
dia, alertado pelo choro da criança, Acrísio foi até a torre.
Sua surpresa e, depois, sua fúria foram imensas!
Ele se recusou a crer na fábula da intervenção divina. Persuadido da
cumplicidade da babá, ordenou que a executassem. As lágrimas da filha impediram
que o rei eliminasse o menino, mas ele o trancou com a mãe num baú de madeira e
jogou o baú no mar.
O destino se mostrou mais clemente do que Acrísio. O
baú foi jogado pelas ondas no litoral da ilha de Serifo, onde, naquela tarde,
Dicte recolhia suas redes. Como estavam pesadas! Também pudera, com aquele baú
de madeira! Abriu-o imediatamente, pensando que ali encontraria um tesouro,
mas, em vez de moedas e joias, deu com uma linda moça e um bebê faminto. No
mesmo instante lhes ofereceu sua casa e sua proteção.
Um dia, Polidectes, seu irmão, que reinava na ilha,
foi visitá-lo. Assim que viu Dânae, apaixonou-se loucamente por ela. Mas
Perseu, que crescera, agora tomava conta da mãe, e o rei compreendeu que,
enquanto o filho estivesse junto dela, não poderia tentar nada. Para sorte de
Polidectes, apresentou-se uma oportunidade de afastar o rapaz.
O rei organizou em seu palácio uma grande festa,
para a qual convidou o filho de Dânae. Todos prometeram ao rei presentes suntuosos.
Perseu propôs lhe oferecer a cabeça de uma Górgona. Polidectes não disse nada
no momento, mas no dia seguinte foi falar com ele:
"Parece-me que ontem o ouvi me prometer um
presente excepcional. Quando vou recebê-lo?"
Vítima de suas próprias palavras, Perseu teve que
cumprir a promessa. Despediu-se da mãe, que o beijou ternamente
recomendando-lhe prudência, e partiu em busca da Górgona.
Esse nome causava arrepios. Designava três
criaturas horrendas: Esteno, Euríale e Medusa. Centenas de cobras infestavam
suas enormes cabeças, e uma careta pavorosa lhes deformava o rosto. Duas delas
eram imortais. Perseu decidiu então atacar a terceira, Medusa. No entanto a
tarefa não era fácil: com um olhar, ela transformava qualquer um em pedra.
O rapaz foi se aconselhar com as filhas de Fórcis,
que também eram feiíssimas, mas pelo menos eram úteis. Perseu não obteve facilmente
as informações que queria, porque a princípio elas se recusaram a dá-las.
Precisou empregar muita esperteza. Como as três velhas possuíam, juntas, um só
olho e um só dente, que usavam uma de cada vez, Perseu os arrancou e ameaçou
atirá-los no mar. Elas logo lhe contaram:
"É com as ninfas que você vai encontrar os instrumentos
necessários à sua vitória. Elas têm sandálias aladas que o farão correr mais
depressa, um saco para pôr a cabeça da Górgona e um capacete, oferecido por
Hades, que torna invisível quem o usa. Se você se comprometer a devolver esses
objetos, elas vão lhe emprestar todos."
Foi o que ocorreu. Além disso, de Hermes, Perseu
recebeu uma foice de lâmina dura e afiada, e, de Atena, um grande escudo de
bronze polido. Assim equipado, calçou as sandálias, pegou o saco, o capacete e
a foice, e voou para o lugar onde as Górgonas descansavam.
No caminho, pôde observar os vestígios da passagem
delas: homens e animais de pedra ladeavam a estrada. De repente, uma grande
concentração de estátuas chamou sua atenção. Elas formavam um círculo em cujo
centro se encontravam as Górgonas adormecidas.
Dirigiu-se pé ante pé até elas, tomando o cuidado
de lhes dar as costas. Para se orientar, observava o reflexo de seus passos no
escudo. Medusa se moveu. Teria percebido a aproximação do herói? Perseu não
hesitou nem um segundo. Apertando firme o cabo da foice, lançou o braço para
trás e lhe cortou o pescoço com um golpe seco. Sem tirar os olhos do escudo,
agarrou a cabeleira de serpentes e enfiou a cabeça da Górgona no saco
emprestado pelas ninfas. Produziu-se então um fato estranhíssimo: do sangue de
Medusa nasceu um cavalo alado que imediatamente saiu voando. Perseu nem teve
tempo de admirar o voo de Pégaso, porque as outras duas Górgonas acordaram.
Procuraram ao redor o responsável pelo que viram, mas Perseu, que estava invisível
graças ao capacete de Hades, já escapava correndo dali.
Com sua sandália alada, ele sobrevoou vários
países. Seguia pelo litoral a Etiópia, quando percebeu uma forma branca contra
um rochedo batido pelas ondas.
Aproximando-se, Perseu distinguiu a silhueta de uma
moça em trajes sumários. Ele a teria confundido com uma estátua, não fossem as
lágrimas que molhavam seu rosto desolado. Sua fisionomia comoveu o herói:
quanto mais Perseu olhava para ela, mais sentia crescer dentro de si um
sentimento desconhecido... Desceu junto dela e lhe perguntou:
"Qual a razão dessa sorte cruel? Por que deve
suportar o assalto das ondas e do vento?"
A moça, perturbada por ser vista naquelas roupas
precárias, explicou-lhe timidamente:
"Estou pagando pelo orgulho da minha mãe. Ela
se gabou de ser mais bonita do que as ninfas marinhas, filhas de Poseidon. O
deus respondeu mandando um monstro assolar a costa, e fui eu que os habitantes
do litoral ofereceram em sacrifício para aplacar sua cólera."
Perseu prometeu libertá-la se ela aceitasse casar
com ele.
Mal obteve seu consentimento, ouviu uma onda
gigantesca quebrar nos rochedos. O mar tinha se aberto ante o peito enorme de
um bicho monstruoso que avançava direto para sua vítima, com a bocarra
escancarada. Perseu se virou para intervir. No mesmo momento, os raios do sol
poente projetaram sua sombra nos rochedos. O monstro se distraiu com o novo
agressor, que tentou pegar em vão. Esgotava-se perseguindo uma simples imagem,
quando Perseu o atacou e cravou a espada entre as escamas do réptil.
Foi um
golpe mortal, e o monstro desapareceu nas profundezas, enquanto o herói
vencedor libertava Andrômeda.
A pobre moça, que desmaiara, voltou a si nos braços
de Perseu. Pouco tempo depois, casou-se com ele, e seus pais tiveram a alegria
de celebrar ao mesmo tempo a libertação e o casamento da filha única. Após a
cerimônia, o casal voltou para Serifo, onde a desordem tinha se instalado
durante a ausência do herói. Polidectes tentara violentar Dânae, e Perseu quis
puni-lo: pôs diante dele a horrível cabeça da Medusa, e o rei foi imediatamente
transformado em pedra. Quando a calma-se restabeleceu, o rapaz rumou para sua
cidade natal com a esposa.
No trajeto, pararam numa cidade em festa, e como
Perseu era um excelente atleta, participou dos jogos. Entre os espectadores
estava Acrísio, que sabendo da volta do herói, saíra de Argos. Chegando sua
vez, Perseu arremessou um disco que foi acertar o ancião na cabeça, matando-o.
A funesta profecia acabava de se realizar, apesar dos esforços do rei. O herói
se entristeceu com o acidente e ofereceu esplêndidos funerais ao avô, antes de
se instalar no trono de Argos.
(Claude
Pouzadoux. Contos e lendas da mitologia grega. São Paulo, Companhia das
Letras,2001, p. 205-217.)
1-
O texto narra uma aventura de um dos
grandes heróis da mitologia grega. De quem se trata?
2-
Quem era Dânea? Por que estava presa?
3-
Como Dânea concebeu Perseu?
4-
Como, depois do nascimento de Perseu, o
rei Acrísio agiu para evitar que a profecia se cumprisse?
5-
Anos depois, Polidectes, o rei da ilha
em que viviam Perseu e sua mãe, resolveu livra-se dele. Por quê? Qual era seu
plano?
6-
Quem era Medusa? Como era seu aspecto?
7-
Como Perseu conseguiu derrotar Medusa? E
como pôde fugir à perseguição das irmãs do monstro?
8-
Afinal, cumpriu-se a profecia do
oráculo?.
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