Pequenas
corrupções
A corrupção maior é apenas a expressão de um tipo de
vida que achamos até normal
WALCYR CARRASCO
Todo mundo se
escandaliza com o petrolão. Eu também, óbvio. Atinge cifras que escapam a minha
imaginação. Mas que tal pensar sobre qual é o meu, o seu, o nosso grau
individual de corrupção, como cidadãos comuns?
No caixa eletrônico,
por exemplo, tem uma fila grande. Alguém se aproxima. Conversa com um amigo lá
na frente e, como se fosse a coisa mais natural, fura a fila. Uma vez reclamei
para uma mulher:
– Desculpe, mas seu
lugar é lá no fim da fila.
Ficou ofendida,
respondeu agressiva. Sinceramente, se ela tivesse dito algo como:
– Eu sei, mas estou com
um problema particular e tenho pressa.
Eu entenderia. Já me aconteceu, na fila do
aeroporto, para verificação de bagagem. Ia perder o voo. Expliquei e me
deixaram passar na frente. Mas e na fila do avião? Por que a pressa, se o lugar
é marcado? O motivo das prioridades é facilitar a entrada de grávidas,
crianças, deficientes e idosos. Também há acesso VIP para quem tem milhagens
expressivas. Já vi cada atropelo! Uma vez, enquanto tentava proteger da
correria uma senhora com um filho pequeno, aconselhei:
– Vá lá para a frente,
tem direito de entrar primeiro.
Ela fez que não. Corria
o risco de ser atropelada.
Se dá para furar uma
fila, você fura?
No restaurante, sempre
alguém dá uma carteirada com o maître
e passa na frente. Vi isso acontecer muitas vezes. Eu não gosto de esperar.
Paro em frente ao restaurante e pergunto se tem espera. Se tem, agradeço e vou
a outro. Restaurantes mais vazios, com donos saltando como caranguejos sobre
possíveis clientes, também não faltam.
E a nota fiscal? Houve
uma época em que até o dentista perguntava se era sem nota. Com, era mais caro.
E depois ele esquecia de dar. Fazia cara de ofendido se eu insistia. Graças aos
cruzamentos da Receita Federal isso está acabando. Eu declaro se paguei e
pronto. Acho justo. Em São Paulo, foi instituída a nota fiscal paulista, com estímulos
financeiros a quem pede. Na hora de pagar sempre perguntam:
– Quer nota fiscal
paulista?
Acho um absurdo a
pergunta. É regra dar a nota. Se eu pago meus impostos, por que o comerciante
não? Ah, tem muito imposto. Tem mesmo. Mas, então, o certo é protestar, votar
melhor. Não sobreviver à custa de pequenas corrupções. Não é só no Brasil.
Tenho um amigo modelo que mora na Cidade do Cabo, na África do Sul. Conheceu
uma finlandesa que passou maus bocados. Simples: finlandeses são honestos.
Então, ela, logo no primeiro dia de férias, fez o que fazia na Finlândia.
Deixou a bolsa embaixo de uma árvore e foi correr num parque. Na volta, cadê?
Perdeu grana, passaporte, tudo. Aqui, alguém tem coragem de deixar qualquer
coisa embaixo de uma árvore? Já contei a história de um amigo que sofreu um
acidente de carro, dois rapazes pararam para ajudar e o assaltaram enquanto
sangrava?
Outro dia li sobre uma
moradora de rua que encontrou dinheiro e devolveu. Virou notícia, como ocorre
cada vez que um ato de honestidade, ainda mais praticado por um necessitado,
acontece. Há algo muito errado num país onde honestidade é notícia.
Quando devolvo o troco
que veio a mais, a mocinha do caixa me olha como se estivesse diante de São
Sebastião. Claro, isso iria para a conta dela. Não sou eu que vou roubar de uma
trabalhadora que está no caixa. Mas é tão pouco comum gente que devolve! Assim
como caixas também frequentemente não têm moedinhas e arredondam o troco. Já
estive em restaurantes que “arredondaram” em vários reais, sem nem dar
explicação. Agora, pagando com cartão, a prática está acabando. O que eu falo
vale para gente rica, classe média ou pobre. Um amigo meu, dermatologista,
tinha duas clientes que viviam à base de champanhe. Se encheram de Botox. (E o
produto custa para o médico.) Deram um cheque sem fundos e foram meses para
receber. Botar Botox não é o mesmo que passar fome, onde a gente até entende o
roubo de comida por desespero. Mas acontece. Como ocorre também entre os
médicos. Se você for a qualquer médico e ele disser:
– Eu prefiro que o
remédio seja manipulado, tenho mais confiança.
E depois indicar a
farmácia, já sabe. São 30% que vão para o bolso dele. Exatamente. As farmácias
de manipulação têm o costume de pagar essa percentagem aos médicos que dão a
receita.
Os exemplos não
acabariam nunca. A verdade é esta: nós todos vivemos cercados de pequenas
corrupções. A corrupção maior é apenas a expressão de um tipo de vida que
achamos até normal.
Retirado
de http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/walcyr-carrasco/noticia/2015/03/pequenas-corrupcoes.html
1-
De onde foi retirado o texto?
Maître
é uma palavra de origem francesa que originalmente significa
"Mestre".
|
2-
De quem é a autoria?
3-
Qual o assunto tratado no texto?
4-
O texto Pequenas corrupções
pertence ao gênero: ( ) conto
( ) notícia ( ) crônica
( ) informativo
5-
Cite os pequenos atos de corrupções
que aparecem no texto.
6-
Explique o que é “dá uma
carteirada”?
7-
“A
lei 8.112 proíbe utilizar o cargo público em proveito pessoal ou de outro. O
Código Penal, em seu artigo 316, diz que é crime exigir vantagem indevida, para
si ou para outro, direta ou indiretamente, utilizando-se do cargo. A pena
prevista é de dois a oito anos de reclusão e multa. As queixas contra a prática
são registradas como abuso de autoridade. Mas, até hoje, nenhuma figura pública
foi presa por carteirada.”
http://virgula.uol.com.br/eu-quero-salvar-o-planeta/afinal-dar-carteirada-e-crime/
Ø Em
sua opinião, por que as autoridades que dão carteirada não recebem a punição
prevista em lei?
8-
No trecho “Outro dia li sobre uma moradora de rua que encontrou dinheiro e
devolveu.” Que tipo de sentimento o autor demonstra diante fato
noticiado? Por quê?
9-
O que você faria se você
encontrasse uma bolsa cheia de dinheiro?
10- Faça
em uma folha de papel ofício um desenho contra as pequenas corrupções
praticadas no cotidiano.
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