sexta-feira, 11 de julho de 2014

Trabalhando a Copa do Mundo - Peladas (Armando Nogueira) e Gírias de futebol

Peladas (Armando Nogueira) 
     Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.
     E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: “Eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe”. Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.
     Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro joga sem camisa.
    Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.
    Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quica no meio-fio, para de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho. Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: “Copa Rio-Oficial”, “FIFA – Especial”. Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!), jamais seria barrada em recepção do Itamaraty.
    No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.
     Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.
    Nova saída.
   Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.
    O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar. Em cada gomo o coração de uma criança.

                                          Os melhores da crônica brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.

 1- Qual é a personagem principal?

 2- Como é caracterizada a personagem principal?

 3- O narrador é observador ou personagem (foco narrativo)?

 4- Retire do texto uma passagem em que o narrador expressa seu ponto de vista, faz uma observação.

5- Onde se passa a história? Qual o cenário?

6- Que acontecimento transformou a praça? Que recursos o autor utilizou para realçar essa transformação?

7- Qual foi o conflito?

8- No sétimo parágrafo o autor se refere à bola caraterizando-a como coitadinha. O que esse adjetivo no diminutivo sugere?

9- Que expressões do cotidiano o autor usa no oitavo parágrafo?

10-Como o cronista faz o desfecho? Que impressão esse desfecho lhe causou?

11- Pesquise o significado que as palavras abaixo têm no universo do futebol.

 AMARELAR            AÇOUGUEIRO              BANHEIRA                LENHA           
GALERA                       FIRULA                     CANETA                        RETRANCA             CARTOLA               EMBAIXADA                   CHOCOLATE                  CHALEIRA                   COZINHA                 BOLEIRO                            FRANGO                       GANDULA               LANTERNA                  TAPETE                       PELADA                            CAPOTÃO      PIPOQUEIRO          CARRINHO                VÉU DE NOIVA                   MARIA CHUTEIRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário